sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Dois espaços entre silêncios




Белые ночи (Noites Brancas) (1848)
"Escute-me só por um momento! Perdoe-me se lhe digo mais uma coisa... É o seguinte: não posso deixar de aqui voltar amanhã. Sou um sonhador; a minha vida real tão reduzida que momentos como estes que agora vivo são para mim de tal modo preciosos que não poderei evitar de os reproduzir nos meus sonhos. Sonharei consigo toda a noite, toda a semana, todo o ano. Voltarei obrigatoriamente aqui amanhã, justamente aqui, a este mesmo local, a esta mesma hora, e sentir-me-ei feliz por recordar o que hoje aconteceu. Doravante, este lugar é sagrado para mim." (Dostoiévski)




Quero escrever-lhes, pois. A Todos aqueles que foram, aos que são ou que apenas não passaram ou passarão de uma possibilidade. Escrevo-lhes, principalmente, aos dois, pontos cegos da minha existência que voa. Pois bem, amo-os, por vezes, mais do que a mim mesmo. De fato, meu amor é cruel, meu amor é ilusão e loucura. É fogo-fátuo alucinado. Aprendiz. Mas, e, no entanto ai está alguma das graças do amor: o anular do inferno do ego e do Eu. Eu, aquele que gritava no espaço vazio entre tu e nós já não é mais unidade, e liberta-se para a vida e para as flores.
Mas ainda amar assim; forte, brutal e violentamente, pode trazer um pouco de dor. Ardor, dor e amor, postam-se sempre e eternamente juntos. Pois, então, não quero mentir-lhes. Mas minhas botas já têm tanta lama, e eu sei, “afinal quem pode viver sem ilusão?” Somente um mostro.
Mas sei do que sinto, quando olho direto para sarjeta tonta, para as margens e para o centro. Destroem-me as carnes, e me dizem, vai, deita e finge. Loucamente finge. Então, continuo ali, esperançando viver, contudo assim rezo “mate-me, matem-me, estraçalhem-me”, pois que se não há amor no mundo, só há ego e incompreensão... Prefiro o nada, o negro e profundo nada, onde se calam todos os humanos silêncios,... E de onde não há mais que. Em pequenos sonhos. Penso constantemente na morte, e na vida, por que tenho medo. Medo de amar demais. Medo de amar de menos.
Bom, tudo bem, vocês já sabem, vou assumindo esse ar cruel, essa coisa boba, esse fingimento radical, no meio daquela minha velha-nova e fresca inocência tosca - aquela guardamos todos, no meio de canela, cravos e mel – mas que ainda ouso-lhes revelar. É não hei de me submeter. Nem ao mortos, nem às moralinas. Nossos espectros são doces, e são a terra. São as cores. Merecem vibrar. Basta-nos de morte, basta-nos de expiação e tristeza. Aceitar a vida, o mundo envolve, assim, aceitar a dor e seu lado sombrio. A Solidão. Pura, imunda e funda. Inexorável. Mas aceitar o nada, o fim, as dores; é aceitar a vida. Pois já que nascemos, não temos outra opção.
Desculpe-me baby, desculpe-me, mas procuro ainda, e, no entanto a pura e doce vida, aquela sem transcendência, sem mortificação. Quero o ser puro das flores, dos pássaros e das feras. Quero mais e, porém. Não quero além. Quero hoje e agora e não amanhã. Estou farto do amor mortificador, vamos mutar nossos amores, e mais mudar nossa consternação. Nessa vida, são tantas as formas de amor. Por que devemos dizer não? Por deve-se aceitar o des-amor? Por orgulho, resignação, ego e mortificação? Depende de nós, isso de amar, é intencional, bestial e a única glória da vida. O resto é rosto. É máscara. São as personas que nem subsistem. Vai tudo para a tumba, para o pó. Vamos mesmo assim continuar a des-amar? Para que para conquistar mais amarras, mais forcas e selas? Chega dessa moralina mortificadora dos padres. Pois que deus já não existe, e se existe está entediado demais para prestar a atenção em nós. Façamo-nos, pois, um favor. Vivamos. Loucos, nômades e libertos. Pois que são tantas as formas de mistificação, e escravidão romperemos juntos as correntes.


Guilhermo de Mont Serrat

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