terça-feira, 11 de março de 2008

Medéia, do Mito à Euripedes



por Augusto Patrini


“Sedução. Episódio reputado inicial (mas que pode ser reconstruído a posteriori) no decorrer do qual o sujeito amoroso é “seduzido” (capturado e encantado) pela imagem do objeto amado (nome Popular: amor à primeira vista, nome científico enamoramento).”[1]
Assim começa talvez uma das versões dos mitos de Medéia e Jasão. Porém o mito adquire ares particularmente pesados ao se confundir com a versão de Eurípides, que introduz o infanticídio. Há uma variante do mito onde Medéia não mata seus filhos, este é a interpretação de um vaso feita pelo historiador Arthur Dale Trendall onde se lê ΕΛΕΥΣΙΣ ΤΟ ΙΕΡΟΝ, nesta versão após ser banida de Corinto, Medéia teria se refugiado em Eleusis. Porém o ideal do Amor louco, da fúria bárbara parece ter prevalecido:”Estou Louco” – LOUCO. O sujeito amoroso é atravessado pela idéia que é ou está ficando louco.[...] Todo amante é louco, pensamos. Mas podemos imaginar um louco enamorado? De modo algum. Tenho direito apenas a uma loucura fraca, incompleta, metefórica: o amor me deixa como louco, mas não há em mim nada de sagrado; minha loucura, simples insensatez, é rasa, invisível mesmo; além disso, ela é totalmente absorvida pela cultura: não assusta. (É, entretanto no estado amoroso que certos sujeitos razoáveis adivinham repentinamente que a loucura está ali, possível, próxima: uma loucura pela qual o próprio amor seria tragado).
[2] É assim na transmissão do mito que o amor de Medéia é tragado pela loucura[3] ou pela fria e calculada vingança. Mas há mito original? As reminiscências seriam apenas pastiches? Sêneca seria um Pastiche? Ou Eurípides? Ou apenas as versões modernas iluminadas pela luz do passado grego. Existe a versão certa e a errada? Há oposição entre mito e história (como tradicionalmente costuma-se perceber)? Particularmente penso que não. Os mitos são fonte histórica da sensibilidade grega, latina, e de suas variantes, pastiches – barrocas, óperas ou obras teatrais modernas – são todas versões de uma mesma mitologia, que dos gregos nos foi legada. Como dizia Claude Lévi Strauss “Il n´existe pas de version de mythe dont toutes les autres seraient des copies ou des échos deformes. Um mythe se compose de l´ensemble de ses variantes. C´est la définition même.”[4] Existem, assim, pelo menos oito versões diferentes do mito de Jasão e Medéia, dos Argonautas. Nietzsche também não ao analisar a tragédia grega não fazia diferença entre o mito e os textos dos autores trágicos.
Segundo Mathilde Landrain a versão mais antiga dá ao casal um “happy-end”. Porém em várias posteriores variantes mais trágicas e violentas aparecem. É verdade que Nietzsche
[5], em o Nascimento da Tragédia, apontou para as tragédias de Eurípides como sintoma da decadência do gênero nascido da junção da epopéia, poesia lírica e ditirambos: isso talvez por que dos três autores de tragédia que permaneceram registrados (Esquilo, Sófocles, Eurípides) ele é o único que “desce” aos sentimentos mais crus e que retrata o povo comum, do cotidiano, e da fala do povo comum, indo além do que seria nobre. Assim, amor, ciúmes, inveja tornam-se temas de um gênero considerado antes nobre. E ainda, o absurdo talvez para Nietzsche[6], coloca o misterioso elemento feminino no centro de suas histórias. A época de Eurípides fora marcada pela guerra do Peloponeso, e é talvez por isso que suas tragédias sejam perguntas e não respostas. Em sua época, Eurípides também recebeu críticas, a mais importante de Aristóteles, em sua Poética – 1454 b 1 e 1461 b 20 – que o acusa de inverossímil e pelo abuso do sobrenatural.[7] Porém na mesma Poética Aristóteles aponta Eurípides como “o mais trágico dos trágicos”. (145 a 30). Se ele ainda hoje Medéia é considerada uma obra prima do teatro clássico, em seu tempo também parece ter assim sido. Na Antologia Paladina[8], livro VI, 50, Arquimedes aconselha os poetas de sua época: “Não te atrevas a percorrer, poeta novo, a estrada freqüentada por Eurípides; nem mesmo tente, pois seria dificílimo seguir o seu trajeto; a impressão é que ela é fácil, mas se alguém tenta pisá-la vê que ela é árdua como se fosse pavimentada de estacas pontiagudas. Experimenta apenas retocar Medéia, a filha de Aietes! Sentir-te-ás anônimo e rasteiro. Afasta tuas mãos da coroa de Eurípides!”
Poder-se-ia mesmo falar que Eurípides introduziu elementos “psicológicos”
[9]. Foi por isso, que ele escolhe a versão mais chocante, aquela onde há um infanticídio, destes mitos, reduz a força de Jasão (fraco, medroso e até burro)[10] e torna Medéia forte, sobretudo ativa. Ele parece ter escandalizado sua época e continua a escandalizar a nossa, herdeiros dos gregos que somos. Penso ao contrário que ele não foi o sintoma da decadência do gênero, antes o seu ápice, por que de trágico é a existência humana e o decair com altivez. Como diz Jean-Pierre Vernant:

O que faz a tragédia? Dispõe aos olhos do público, faz as figuras lendárias da idade heróica falarem e agirem diante dos espectadores. Para os gregos, dissemos, essas personagens não são fictícias, nem seu destino. Elas existiram efetivamente, mas num outro tempo, numa idade inteiramente revoluta.
[11]

Ele ainda nos explica, baseado talvez no que escreve Platão em sua Poética, que o que é “Ficção” é mais verdade do que é “história”:

No sentido preciso de mimeîsthai, imitar é simular a presença efetiva de um ausente. (...) A tragédia, ao contrário da história, não conta, dentre todos os acontecimentos que poderiam ter se produzido, os que aconteceram efetivamente; ela mostra, reorganizando, em função de seus próprios critérios, a matéria da lenda, ordenando a progressão da intriga, seguindo a lógica do provável ou do necessário, como os acontecimentos humanos, por uma marcha rigorosa podem ou devem ter lugar.
[12]

(Re)miniscências do Mito:
Existem várias obras re-trabalhando o mito. As clássicas são: a grega de Eurípides e a Latina de Sêneca. Além destas existem The Legend of Good Women, de 1385 de Geofrey Chaucer. Uma tragédia barroca francesa intitulada Médée de La Péruse de 1556. A mais conhecida adaptação de Corneille
[13], de 1635. Em 1694, Hilaire de Longepierre fez uma versão na França, que logo foi parodiada pelo teatro italinao com o nome: A mulher má. Já no século XIX, temos adaptações no mundo Alemão: Medea, terceira parte da trilogia “Das goldene Vliess" de Franz Grillparzer (1821); além da Medea, novela de Paul Heyse de 1890. Já o século XX foi profícuo em adaptações. A primeira foi ainda no mundo de fala alemã: Medea, Hans Henny Jahnn, (1926/1959).
Já no mundo francês a interessante e sombria tragédia; Médée, de Jean Anouilh é datada de 1946. Esta obra assumidamente anacrônica, atualizada ao século XX, inspira-se em Pirandelo (Teatro dentro do Teatro), e os ambientes são cafés, bares. Nela aparecem espingardas, ciganos, compras, atos cotidianos. O Tom é sombrio, talvez por que os tempos eram sombrios. Para o autor a peça representa uma revolta contra os privilégios de nascimento, a negação de um mundo fundado na hipocrisia e na mentira. Há um desejo impossível pelo absoluto e uma forte marca de nostalgia pelo paraíso perdido e a afirmação da impossibilidade do amor. Para o autor os homens se dividiam em dois tipos: os normais e os heróis. Dentre os normais existiam dois tipos: a maioria – fantoches, egoístas, superficiais, vulgares, viciados e maus – e um segundo tipo pacato, digno e inteligente, mas incapaz de grandes aspirações. Dentre os heróis encontramos também dois tipos: como a sua Médée, que se opõe a sociedade abrindo mão da felicidade comum – e se debatem para não esquecer um passado inocente – ou outros que debatem-se desesperadamente para esquecer o passado. Para o autor francês os que não conseguem esquecer o passado são malditos, prisioneiros do passado e só encontram paz na fuga ou na morte. Jean Anouilh baseia sua peça em Eurípides e não em outras adaptações. Ele também escreve Eurídice em 42 e Antígona no mesmo ano de Médée, 1946. Nestas três peças, o prólogo já afirma o que vai acontecer, o que fica em suspenso é como e, principalmente, por que. Pelo seu tom sombrio os críticos da época chamaram estas obras de “peças negras”.
Outras versões dignas de nota são: Medea, Robinson Jeffers, 1948; Medeamaterial œuvre théâtrale de Heiner Müller 1974; Medea, Franca Rame et Dario Fo, 1979; Médée : voix, roman de Christa Wolf 1996; Manhatan Medea, Dea Loher, 1999; Die Frau vom Meer, Doris Gercke, 2000; Mein und dein Herz : Medeia, Nino Haratischwili, 2007; Medea und ihre Kinder, Ljudmila Ulizkaja
Dentre elas a mais interessante parece ser a da escritora Alemã Christa Wolf que resgata o texto dos trágicos antigos, mas também os mitos para ilustrar Média como uma mulher livre e estrangeira. Por isso ela é acusada de feiticeira. No livro a rainha muda de Mérope revela a Medéia o assassinato fundador da cidade e a tumba esquecida com o esqueleto de Iphino, o primeiro filho de Creonte. Com a revelação rompe-se assim o falso esquecimento e o medo e a peste assola a cidade. O povo culpa Medéia que é banida da cidade por Creonte. Esta deve deixar seus filhos o tempo da Deusa Hera. O povo então os apedreja e acusa de tê-los matado. A adaptação é fortemente marcada pela experiência da escritora que vivia sob um regime totalitário na República Democrática Alemã.
Há ainda uma interessante versão francesa contemporânea, Médée Kali de Laurent Gaudé, que faz uma fusão entre o mito de Medéia e Jasão, o mito da medusa, a tragédia de Eurídice e o mito hindu da Deusa Kali. Este texto foi apresentado por uma atriz coreana no Teatro do Marrais, em Paris. O texto de Gaudé e a interpretação da atriz buscaram o inquietante na feminilidade, que assume ares mortíferos. O discurso desta Medéia busca a desmascarar a idéia de verdade – é dotado de uma polifonia perturbadora – ecoam as vozes de seus filhos mortos. No texto não há tenta-se colocar em evidência uma “natureza” feminina identitária trans-histórica que questiona a masculinidade de nossas varias civilizações.


De Euripedes à Medea de Pasoline: Os antigos iluminam os modernos:
O filme Medea de Pasoline, como parece acontecer em outros casos é bastante complexo. A realização do filme não é somente uma reminiscência do Mito de Medeia e Jasão, nem mesmo da obra de Eurípides ou Sêneca – nem de nenhum outro autor posterior. Trata-se de no ano de 1969 fazer uma violenta crítica à civilização ocidental. Ecoam no filme, ao meu ver as noções de alienação, desencantamento do mundo e repressão do id e do inconsciente. Uma questão que parece estar bastante em evidência no filme é a perda de identidade do “estrangeiro” e uma crítica à concepção de “bárbaro” – presente entre os gregos, mas igualmente muito presente entre os europeus modernos e contemporâneos
[14]. Esta questão, e este conceito são violentamente atacados e criticados no filme de Pasoline. Medéia antes “bárbara” vivia fora do tempo e da lógica da civilização e da racionalidade (grega e moderna)
Aqui encontramos de forma uma outra problemática: a questão do conflito entre o individual e o social – tema igualmente tratado por Pasoline em Édipo Rei em 1967 – inspirado pela tragédia de Sófocles. A Medéia do filme parece representar a própria história, pois nela ainda permanece o passado, há o presente, como já está colocado o seu futuro trágico. O conter de seu caráter bárbaro e mágico imposto pela civilização grega resultam em morte, ódio e destruição. Este “conter” exigido pelos gregos de Corinto parece ser o conter da sociedade industria européia onde, então, Pasolini vivia. O Silêncio de Medéia é aquele silêncio imposto aos homens pela indústria cultural
[15]. UM momento importante no filme é o sonho de Medéia, pois este está fora do tempo e do espaço – do consciente, do racional - e parece ser uma forma de denunciar a falsa unidade da vida civilizada. Amor e maternidade são evidenciados como construções culturais. O amor no filme é tratado como uma impossibilidade.[16]
Penso que a adaptação de Pasolini tem estreita relação com sua concepção de marxismo
[17]. Há uma crítica ao ideal burguês de família, núcleo reprodutor do ideal burguês e capitalista. Jasão é o burguês integrado ao sistema, que aceita suas regras, colocando-as acima de seus sentimentos. Já Medéia não aceita estas regras e se enfurece, libertando uma energia destruidora, que questiona a “civilização”.[18] A tragédia de Euripedes é usada por Pasolini para iluminar a falta de unidade da razão ocidental – essa mulher despersonalizada somente liberta-se infringindo a morte ao fruto do “amor” burguês e alienador. Seu ato é um ato de vontade de potência, de vida, um resgate do seu mundo “bárbaro”, vivo, onde ela está em conexão com a natureza[19].
Finalmente, destaca-se no filme o começo, um prólogo, que traz algo de surrealista – de recordações psicanalíticas. O Discurso do Centauro, talvez seja o fala de Pasolini.
[20]

Representações pictóricas:
Há também várias representações pictóricas, que não as analiso por falta de tempo e espaço. A Maioria destas imagens estão inspiradas em Eurípides.

A ânfora deve ter inspirado Delacroix que por sua vez inspirou Paul Cézanne.

- Medéia matando seus, ânfora com figures vermelhas, 330 ac. J.-C., musée du Louvre

- Medéia, por Eugène Delacroix (1862)

- Medéia, Paul Cézanne, 1879-1882

Bibliografia auxiliar:

· ANOUILH, Jean. Médée. Paris: Table Ronde, 1997.
· BURKE, Peter. O que é história cultural? Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 2005.
· ____________ A Escrita da História: Novas perspectivas. São Paulo: Editora Unesp, s/d
· CARDINAL, La Médée d´ Eurípides. Paris: Grasset, 1987.
· CIORAN, E. M. Histoire et Utopie. Paris: Gallimard/Folio, 1987.
· _____________ Breviário de Decomposição. Rio de Janeiro: Rocco, 1995.
· _____________ Exercices Négatifs – Em marge du Précis de Décomposition. Paris: Gallimard, 2005.
· DUARTE, Regina Horta. Nietzsche e o Ser Histórico ou Da Utilidade de Nietzsche para os Estudos Históricos. IN: Cadernos Nietzsche No 2, s/d
· FIX, Florence. Médée (Étude). Paris: Rocher Eds Du, 2007.
· FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. São Paulo: Edições Graal, 2004.
· GAUDÉ, Laurent. Médée Kali. Paris: Actes Sud-Papiers, 2003
· JEKINS, Keith. Repensando a História. Editora Contexto: 2007
· LESKY, Albin. A Tragédia Grega. SP: Perspectiva: 2006
· LOI, Emmanuel. Marseille Médée. Paris: Flamarion, 2005
· MOREAU, Alain. Lê Mythe de Jason et Médée: le va-va-nu pied et la sorcière. Paris, Les Belles Lettres, 1994.
· PESAVENTO, Sandre Jatahy. História & História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2005
· _________________________ Leituras Cruzadas: diálogos da história com a literatura. Porto Alegre: Editora da Universidade, 2000.
· KURY, Mário da Gama. Introdução IN: Eurípides. Médeia – Hipólito – As Troianas
· RICOEUR, Paul. Histoire et Verité. Paris: Le Seuil: 2001.
· PINTO, Júlio Pimentel. A Leitura e seus Lugares. São Paulo: Estação Liberdade, 2004.
[1] BARTHES, Roland. Fragmento de um Discurso Amoroso, SP: Martins Fontes, 2007. pp. 301
[2] op. cit. pp. 345-346.
[3] Esta citação de Bhartes faz-me lembrar do filme L'Histoire d'Adèle H., de Truffaut, onde é retratado a forma como a filha de Victor Hugo foi tragada no amor para a loucura.
[4] Lévi Strauss apud: LANDRAIN, Mathilde, Préface: La Médée d´Euripide. IN: Euripede. Médée suivi de Les Troyennes. Paris Éditions Bernard de Fallois, 1999.
[5] NIETZSCHE, F. O Nascimento da Tragédia. SP: Companhia de Bolso, 2007. pp. 66-77. Vale aqui a observação que Nietzsche imputa este decair a influência do “demônio” (o termo é dele) Sócrates.
[6] “A relação do grego com o caos, a desordem, o desenfreio das paixões e toda qualquer quebra da “ordem natural das coisas” parece sempre vir acompanhada de muita dor e ansiedade, remetendo-o à dolorosa memória de uma experiência primordial com o absurdo imanente a vida Não deve parecer-nos estranho portanto, que o grego através de seus mitos, certifique-se, como nos diz Nietzsche, de que ‘a auto-presunção e a desmesura (...), refutadas como demônios propriamente hostis, peculiares da esfera não-apolínia’ (NT58), estejam confinados num distante passado extra-apolínio, numa idade própria dos Titãs, num mundo bárbaro já superado.” RODRIGUES, Luzia Gontijo. Nietsche e os Gregos: arte e “mal estar” na cultura. SP: Annablume: 2003.
[7] KURY, Mário da Gama. Introdução IN: Eurípides. Médeia – Hipólito – As Troianas. pp. 14
[8] Apud, KURY, op. cit. pp. 15-16
[9] Permito-me o anacronismo.
[10] Sobre isso Alain Morreu diz em seu livro: “Le vainqueur de la Toison aura traversé sans domage le monde de l´épopée et celui de la poesie lirique. Le monde de la tragedie lui aura été fatal.” MOREAU, Alain. Lê Mythe de Jason et Médée: le va-va-nu pied et la sorcière. Paris, Les Belles Lettres, 1994.
[11] VERNANT, Jean-Pierre & VIDAL–NAQUET. O Sujeito Trágico: Historicidade e Transitoriedade. IN: Mito e Tragédia na Grécia Antiga. SP: Perspectiva, 2005. pp.216
[12] op. cit. pp.116 e 118.
[13] De acordo com Mário da Gama Kury esta versão é das mais insípidas que o teatro classico francês pode produzir. KURY, Mário da Gama. Introdução IN: Eurípides. Médeia – Hipólito – As Troianas. pp. 15
[14] Aqui cabe uma nota para lembrarmos da dualidade existente na Itália moderna norte/sul, assim como a questão do “problema” da imigração, sobretudo albanesa e norte-africana..
[15] É interessante notar que a música do filme é japonesa ou clássica iraniana, sem relação com a tradição ocidental – e que podem mais uma vez nos remeter ao outro, ao que é considerado bárbaro..
[16] Vale aqui uma nota para apontar a semelhança com a versão de Média (O Milagre de Medéia) realizada por Tonino De Bernardi em 2006, exibido na última Mostra Internacional de cinema, onde o amor também é evidenciado como impossível. O filme de Tonino de Bernardi mereceria um trabalho só para ele, é igualmente complexo, investe em um olhar mais psicanalítico e re-trabalha a tragédia grega, Medéia chamada Irene no filme sucumbe a um colapso nervoso ao ser abandonada por Jasão (aqui também o burguês integrado) e é forçada a dar a guarda de seus filhos ao francês Jasão. Há no filme um diálogo direto com o mito, mas também com questões contemporâneas já trabalhadas por Pasolini: a questão da Imigração e da identidade. No filme são relacionados ao mundo psíquico cindido de Médeia (Isabelle Hupert), sua dualidade, com as revoltas das periferias francesas (queima de carros) em 2005. (ver: http://www2.uol.com.br/mostra/31/p_exib_filme_337.shtml). O Olhar do diretor é melancólico, re atualizando o mito e a tragédia ao presente busca criticar a idéia de fronteiras, assim como outras questões muito atuais. No filme a fúria de Medéia é dirigida ao seu mundo interno que se auto-implode em uma tentativa de resgatar suas origens romenas já irresgatáveis. No filme há uma forte marca da interpretação de Christa Wolf. (Obs: Eu conversei com o diretor na sessão do dia 30/10, ele diz que pretende filar Fedra com Maria de Medeiros.) Antes do filme começar o diretor disse que se formou como cineasta no ambiente de 1968 e que por 20 anos foi realizador undergraund – nesta fala ele lembra que aqueles tempos eram cheios de ilusão e utopia. Interessante notar que é justamente nesta época que Pasonini filma Medéia. É também interessante como o tema da “depressão” nervosa (melancolia) tão em voga na atualidade insere-se no filme de Bernardi, e que talvez já estivesse presente no tempo grego sob forma da tragédia. Cito o texto de Aristóteles, Problemata XXX IN: PIGEAUD, Jakie. O Homem de Gênio e a Melancolia: o Problema XXX, I. RJ: Lacerda Editores, 1998. Além da nova versão cinematográfica de Bernardini há uma linda versão de Lars Von Trier feita para televisão dinamarquesa, baseada na peça de Eurípides, mas também em um roteiro, nunca filmado de Carl-Theodor Dreyer. (veja anexo)
[17] O cineasta foi integrante, marginal, do PCI.
[18] O Mesmo acontece no filme de Tonino de Bernardi, onde Irene-Medéia é levada em presença de um juiz-Creonte, e diz não aceitar a lei, mesmo tendo se tornado uma cidadã francesa. Em outro momento ela é levada diante uma juíza, e Medéia apela para sua condição de mulher, e essa responde que como mulher se sensibiliza, mas que a lei está acima do que ela mesma como mulher sente. Além deste filme também há o filme Medea , film de Lars von Trier (1988), ainda inédito no Brasil.
[19] Penso que há uma sacralização da natureza e do povo no filme
[20] Infelizmente me foi impossível encontrar o texto de Pasolini do filme, ou alguma entrevista que tratasse do filme: procurei na Aliança Francesa, na Biblioteca da USP, na Livraria Francesa, na Livraria Cultura (onde seria possível uma importação que demoraria oito semanas)

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