sábado, 29 de março de 2008

SENTIMENTO DO MUNDO

(Sofia)

Tenho apenas duas mãos


e o sentimento do mundo,


mas estou cheio de escravos,


minhas lembranças escorreme


o corpo transige
na confluência do amor.

Quando me levantar,


o céu estará morto e saqueado,


eu mesmo estarei morto,


morto meu desejo,


morto o pântano sem acordes.

Os camaradas não disseram


que havia uma guerrae


era necessário trazer fogo e alimento.


Sinto-me disperso,


anterior a fronteiras,


humildemente vos peçoque me perdoeis.

Quando os corpos passarem,


eu ficarei sozinho


desfiando a recordação

do sineiro, da viúva e do microscopistaque


habitavam a barraca

e não foram encontrados


ao amanhecer

esse amanhecer

mais noite que a noite.




CarLos Drumond de Andrade

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