domingo, 6 de abril de 2008

Identidade

BAUMAN, Zygmunt. Identidade. São Paulo, Jorge Zahar Editores, 2005.



Por Augusto Patrini Menna Barreto Gomes
FFLCH – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
Universidade de São Paulo – USP



Quando se patina sobre o gelo fino, a segurança
está na nossa velocidade.
Ralph Waldo Emerson, Sobre a prudência IN: BAUMAN. Vida Líquida.





Nascido de uma entrevista, feita por Benetto Vecchi, o livro de Zygmunt Bauman , defronta-nos com uma das matérias mais polêmicas dos últimos tempos: a identidade. Como afirma Benedetto Vecchi, em sua introdução de Identidade: “A ágora é o espaço privilegiado em que se pode falar abertamente sobre assuntos como a atual irrestrita privatização da esfera pública, e essa centralidade a qual Bauman lhe atribui é que faz dele um dos críticos mais lúcidos e céticos do zeitgeist predominante neste período de “modernidade” líquida.”
O livro de Bauman nos confronta com uma questão complicada, e desprovida de consenso, entretanto, força-nos a enxergar uma coisa que pode incomodar muito: o fato que as identidades são sempre artificiais, e que podem ser construídas tanto pelos indivíduos como por instituições acima dele, seja, Estado ou Nação. O interessante é forma como Bauman mostra-nos a artificialidade destas identidades sócio-culturais, e também políticas – usando, logo como indício sua própria identidade.
De certa forma, a questão identitária já vinha sendo tratada há muito tempo pela sociologia e pela filosofia, sobretudo por Antonio Negri e Michael Hardt, com seus livros Império (2001) e ainda mais Multidão (2005)
[1], mas neste livro nascido da entrevista concedida ao jornalista italiano, o conceito de identidade passa ser a chave para entender a vida social da atualidade e o comportamento em amplas esperas pelos indivíduos. Entretanto, as questões levantadas por Bauman são postas a mesa de forma diversa – de forma não tão otimista. Neste livro, talvez estejam condensadas, suas teorias colocadas em outros livros como Globalização (1999),Vida Líquida (2007), Amor Líquido (2004) ou Tempo Líquido (2007). No começo de Vida Líquida, Bauman nos fala um pouco da vida em nossos dias, seu relato, explica um pouco do que entende como Identidade; na verdade um eterno vir-à-ser:

A “vida líquida” e a “modernidade líquida” estão intimamente ligadas. A “vida líquida” é uma forma de vida que tende a ser levada à frente numa sociedade líquido-moderna. “Líquido-moderna” é uma sociedade em que as condições sob as quais agem seus membros mudam num tempo mais curto do que aquele necessário para a consolidação, em hábitos e rotinas, das formas de agir. A liquidez da vida e a da sociedade se alimentam e se revigoram mutuamente. A vida líquida, assim como a sociedade líquido moderna, não pode manter a forma ou permanecer em seu curso por muito tempo.

Assim como a vida social não pode permanecer, segundo ele, estanque, ou fixada em uma única forma, talvez o indivíduo, assim como sua identidade também não possam. Isso, dependendo da forma como encaramos, pode ser visto como potencial de libertação ou de destruição, medo e dor. Tendo a pensar que Bauman, está entre o segundo tipo de espectador, aquele que reconhece algumas “melhorias” nesta liquidez, mas que vê com um certo conservadorismo o ritmo destas modificações
[2].
O fato de Bauman
[3] ser um britânico, judeu, de origem polonesa - confere-lhe riqueza argumentativa, assim como no caso de Edward Said[4] em suas reflexões sobre o exílio. Entretanto, não é o peso maior em suas reflexões, que além de autobiográficas, são também argumentativas e epistemológicas. Ao fim da leitura podemos perguntar-nos: se toda e qualquer identidade é artificial ou forjada, quais serão as conseqüências deste reconhecimento, sobretudo em formas de conhecimento como sociologia, historia, geografia ou crítica literária? Fica-nos, por enquanto a dúvida, líquida. Bauman não nos traz respostas, mas diagnósticos e, especialmente perguntas.


[1] Além de “Cinco lições sobre o Império” onde Antonio Negri parece resumir de forma sintética suas teorias das transformações em curso na humanidade.
[2] “Em suma: a vida líquida é uma vida precária, vivida em condições de incerteza constante. As preocupações mais intensas e obstinadas que assombramesse tipo de vida são os temores de ser pego tirando uma soneca, não conseguir acompanhar a rapidez dos eventos, ficar para trás, deixar passar as datas de vencimento, ficar sobrecarregado de bens agora indesejáveis, perder o momento que pede mudança e mudar de rumo antes de tomar um caminho sem volta. A vida líquida é uma sucessão de reinícios, e precisamente por isso é que os finais rápidos e indolores, sem os quais reiniciar seria inimaginável, tendem a ser os momentos mais desafiadores e as dores de cabeça mais inquietantes. Entre as artes da vida líquido-moderna e as habilidades necessárias para praticá-las, livrar-se das coisas tem prioridade sobre adquiri-las.” (Vida Líquida)
[3] Zygmunt Bauman é sociólogo polonês, iniciou sua carreira na Universidade de Varsóvia, onde teve artigos e livros censurados e em 1968 foi afastado da universidade. Logo em seguida emigrou da Polônia, reconstruindo sua carreira no Canadá, Estados Unidos e Austrália, até chegar à Grã-Bretanha, onde em 1971 se tornou professor titular da Universidade de Leeds, cargo que ocupou por vinte anos. Responsável por uma prodigiosa produção intelectual, recebeu os prêmios Amalfi (em 1989, por sua obra Modernidade e Holocausto) e Adorno (em 1998, pelo conjunto de sua obra). Atualmente é professor emérito de sociologia das universidades de Leeds e Varsóvia. Tem mais de dez obras publicadas no Brasil por Jorge Zahar Editor, todas elas de grande sucesso, dentre as quais podemos destacar Amor Líquido, Globalização: as conseqüências humanas e Vidas Desperdiçadas.
[4] SAID, Edward W. Representações do Intelectual (2005) Reflexões sobre o Exílio (2003).

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