quarta-feira, 23 de abril de 2008

Necrológio dos desiludidos do amor


Os desiludidos do amor


estão desfechando tiros no peito.


Do meu quarto ouço a fuzilaria.


As amadas torcem-se de gozo.


Oh quanta matéria para os jornais.



Desiludidos mas fotografados,


escreveram cartas explicativas,


tomaram todas as providências


para o remorso das amadas.


Pum pum pum adeus, enjoada.


Eu vou, tu ficas, mas os veremos


seja no claro céu ou no turvo inferno.



Os médicos estão fazendo a autópsia


dos desiludidos que se mataram.


Que grandes corações eles possuíam.


Vísceras imensas, tripas sentimentais


e um estômago cheio de poesia...



Agora vamos para o cemitério


levar os corpos dos desiludidos


encaixotados completamente


(paixões de primeira e de segunda classe).



Os desiludidos seguem iludidos,


sem coração, sem tripas, sem amor.


Única fortuna, os seus dentes de ouro


não servirão de lastro financeiro


e cobertos de terra perderão o brilho


enquanto as amadas dançarão um samba


bravo, violento, sobre a tumba deles.



Carlos Drumond de Andrade

Nenhum comentário: