quinta-feira, 3 de abril de 2008

Vamos conversar sobre nossa relação?



por Antonio Durán Jr.



Relações de força: história, retórica e prova de Carlo Ginzburg


A proposta desta obra é fazer a ponte entre história, retórica e prova como informa o subtítulo e o autor logo nas primeiras páginas do livro. Ginzburg defende a idéia de que retórica não exclui prova, seja ela documental, testemunhal, ou qualquer outra que possa validar uma interpretação historiográfica. Faz um ataque direto aos teóricos, que caracterizam toda a narrativa histórica como uma simples interpretação do historiador totalmente descolada da realidade, como R. Barthes e Nietzsche. Para eles, a narrativa histórica carece de veracidade, para Ginzburg ao contrário, é a veracidade que define a narrativa histórica.
Para validar sua tese recorre a Aristóteles, o primeiro pensador conhecido a dedicar uma obra completa para discutir e conceituar o que é retórica. Segundo o filósofo, a prova é um elemento constitutivo do discurso retórico. Contrariando a concepção de Platão que caracteriza a retórica como simples recurso de adereço textual com o intuito de sensibilizar e persuadir seu público, Aristóteles demonstra como o elemento "prova" pode ser utilizado e em quais circunstâncias. No caso de um trabalho historiográfico clássico, Tucídides é um exemplo para Ginzburg da utilização deste conceitual aristotélico: combinação entre retórica e prova.
É por essa trilha que Ginzburg vai elaborar seus ensaios. O primeiro capítulo é dedicado ao aprofundamento desta concepção e finaliza numa aproximação metodológica do trabalho do historiador e dos juízes de direito.
O capítulo dois é a exemplificação desta relação. Ao analisar o texto de Lorenzo Valla, escrito em 1440, sobre a fraude da Doação de Constantino, Ginzburg tem como intenção revelar como esta ponte entre história, retórica e prova manifesta-se de forma concreta na historiografia. Como negar uma verdade histórica atribuindo a ela somente um valor interpretativo se este discurso apresenta provas irrefutáveis de sua veracidade? Eis no fundo a pergunta - que pode ser entendida mais como uma resposta - àqueles como que como Barthes e Nietzsche reduzem a história ao seu elemento estético.
Para o saber histórico preocupado em revelar e demonstrar de forma convincente, fatos, acontecimentos e relações históricas verdadeiras o estudo literário de um texto é uma ótima ferramenta metodológica e um caminho fecundo para se provar uma tese. Foi este o caminho trilhado por Valla, e é este o caminho que Ginzburg escolhe para construir o terceiro ensaio.
O documento de referência, publicado em 1700, é Histoire des Iles Marines, de Charles Le Gobien, um jesuíta que se ocupou em editar e publicar os textos enviados por missionários que, espalhados pelo mundo, contavam sobre sua experiência e sobre o que viam no processo de evangelização. A relação aqui é explícita. Jesuítas e relativismo cultural, respeito às tradições locais e criação da obra. A percepção de como a literatura mistura-se a conceitos de época e acaba por se transformar em documento que, se bem trabalho (questionado, tal como um juiz faria em busca de sua coerência) pode-se chegar a conclusões verdadeiras sobre um determinado período histórico.
O capítulo quatro versa sobre o estilo dos textos históricos. Ao analisar a crítica de Proust à obra de Flaubert, Ginzburg procura demonstrar como o discurso elaborado pelo historiador é similar ao discurso literário moderno. Fragmentário, fotográfico, cheio de espaços silenciosos e buracos, que antes de ocultar fatos ou informações, revelam o substrato elementar do historiador: a narrativa em cima da existência provas reais.
O quinto e último ensaio é um trabalho de investigação criterioso com o intuito de montar um discurso juntando recortes e evidências que à primeira vista pouco ou nada se relacionam com aquilo que se procura desvendar. O objeto é um dos trabalhos mais conhecidos de Picasso, Demoiselles d'Avignon, de 1907. Ao debruçar sobre a coleção de fotos de Picasso e sobre a documentação deixada por ele no processo de construção deste quadro, Ginzburg refuta e comprova ao mesmo tempo aquilo que se conhecia sobre a obra. Mas é melhor deixar esta descoberta desconhecida ao leitor deste texto, para que ao ler o livro ele tenha a sensação do perder-se em meio a tantos documentos, dando a impressão que nunca se chegará a uma conclusão final. Mas chega-se.
Este é o estilo de Ginzburg. Dúvidas, caos informativo, uma rede sofisticada de informações construída juntando-se fontes não relacionadas entre si. Uma sensação de deriva e enfim, a chegada a um porto seguro.
Os historiadores costumam dizer que historiadores não gostam muito de teorizar sobre seu ofício, deixando este trabalho para filósofos. Talvez. Neste caso, podemos dizer que Ginzburg se debruçou sobre seu ofício e procurou legitimá-lo. E mais. Procurou, ainda que dissimuladamente, rebater as críticas que se faz ao seu próprio trabalho e, ao rebater estas críticas, distanciar-se do tipo de história a que seus críticos costumam associá-lo.
Seu ofício é o de historiador, e seu resultado, um autêntico trabalho histórico. Entre outras, esta é uma das provas que ele procura demonstrar.

Nenhum comentário: