quinta-feira, 26 de junho de 2008

Modernidade Brasileira




Por Augusto Patrini Menna Barreto Gomes



« Ceux qui parlent de révolution et de lutte de classes sans se référer explicitement à la vie quotidienne, sans comprendre ce qu'il y a de subversif dans l'amour et de positif dans le refus des contraintes, ceux-là ont dans la bouche un cadavre.» (Raoul Vaneigem, Traité de savoir vivre à l'usage des jeunes générations, 1967)
(
http://arikel.free.fr/aides/vaneigem/)

« Nous avons pris un mauvais tournant monstrueux avec la culture symbolique et la division du travail ; nous avons quitté un lieu d'enchantement, de compréhension et de totalité pour atteindre l'absence que nous trouvons aujourd'hui au cœur de la doctrine du progrès. Vide, et de plus en plus vide, la logique de la domestication, avec ses exigences de totale domination, nous montre aujourd'hui la ruine d'une civilisation qui ruine le reste... », John Zerzan.





Quase todos os conceitos de moderno, mesmo em suas acepções vinculadas à esquerda quanto à direita; guardam uma semelhança, da década de 20 até os anos 80, mesmo que sejam diversos: sua crença no ‘mito do progresso’, no sentido dado por Gilberto Dupas em seu livro “O Mito do Progresso”:

O progresso, assim como hoje é caracterizado nos discursos das elites, não é muito mais que um mito renovado por um aparato ideológico interessado em nos convencer que a história tem um destino certo – e glorioso – que dependeria mais da omissão embebecida das multidões do que da sua vigorosa ação e da crítica de seus intelectuais.[1]

Penso que o mesmo ponto de visto pode ser mesmo referido aos entendimentos mais antigos, como o moderno, dos modernistas da semana de 22[2]. O termo moderno na década de 20 é dos mais complexos, vale a guisa de abertura citar um dos autores empregados por Nicolau Sevsenko, Rubens Borba Morais:

Os historiadores brasileiros que insistem em buscar no Brasil origens dos Modernistas [têm] uma visão restrita da literatura, não procuram encaixar a produção nacional no panorama mundial de uma época e nos grandes movimentos internacionais de idéias. Sem essa perspectiva o Movimento Modernista fica suspenso no ar, sem raízes, ou tem uma tem uma filiação espúria.[3]

Assim, fica mais que claro, que para o historiador este historiador, o Movimento Modernista brasileiro está, mesmo em suas vertentes nacionalistas, ou aquelas que buscam um americanismo ou uma certa “entidade nacional”[4] (Mario de Andrade), e em suas vertentes mais originais, estava intimamente ligado ao panorama estético e político mundial. É por isso, que Sevcenko se preocupa em estabelecer, em seu livro nexos e nós entre a cena artística brasileira e européia. Além disso, cabe destacar, que ele percebe que mesmo quando se trata de movimentos de ruptura, estes guardam em seu interior estruturas, idéias, perspectivas do tempo em que hipoteticamente foi “rompido”. Parece assim, pois, que mesmo se os manifestos proclamem as rupturas, eles e seus desenvolvimentos guardam parte daquilo mesmo que queriam romper, e isso não os faz menos interessantes, mas ao contrário. Isto é bastante característico quando se fala do movimento modernista, e suas vertentes de esquerda (antropofagia-pau-brasil) e direita (Anta-verde-amerelismo)[5], em que ao negarem o passado, torna-se de certa forma passadistas, por resgatarem uma suposta “volta a terra” – que faz eco nos movimentos românticos alemães. Além disso, seu nacionalismo – é por si só uma contradição, já que este é uma idéia “importada”. É claro que seria simplista afirmar isso de uma figura como Mario de Andrade, mas o mesmo não pode ser dito de Oswald de Andrade[6], cujos manifestos ou conferências[7] assemelham-se contraditoriamente com o futurismo de Marinetti. Por isso, acredito, ser possível estabelecer nexos entre um nacionalismo cultural (se em qual forma – de direita ou de esquerda) com o surgimento do tenentismo, a revolução de 1924 e posteriormente, a revolução de 30 e a instauração do Estado Novo. Acredito que o único modernista[8] a perceber isso claramente, foi Mario de Andrade, cujo genial romance Macunaína é prova contraditória, paradoxal e ao mesmo tempo cabal disto[9]. Na verdade o Modernismo no Brasil, assim como muitas outtras coisas nacionais, sofre de um paradoxo profundo, se por um lado rompeu barreiras para liberdade estética, por outro fomentou, mesmo que indiretamente, o nacionalismo[10]. Penso que o nacionalismo cultural pode estabelecer uma estrutura simbólica, ou de pensamento, que facilitou e possibilitou, mesmo a sua guisa, a instauração de nacionalismos autoritários – como foi o Estado Novo brasileiro[11]. Nestes anos, pelo menos em termos artísticos o adjetivo moderno, de acepção em grande parte positiva dizia respeito às produções artísticas pós-impressionismo. No Brasil no entanto, encontrou forte resistência enquanto movimento estético, entre críticos (Monteiro Lobato) e jornalistas vinculados a jornais conservadores como o Estado de São Paulo. A arte moderna, no limite, enquanto vanguarda, foi uma tentativa de passar a fé na razão e no progresso para a arte, e em suas acepções nacionalistas[12], uma tentativa de se criar uma “identidade nacional”. Sobre isso, penso que vale a reflexão feita por Adorno:

Le Nouveau, en tant que cryptogramme, est l'image de la ruine ; l'art n'exprime l'inexprimable, l'utopie, que par l'absolue négativité de cette image. En elle se rassemblent tous les stigmates du repoussant et du répugnant dans l'art contemporain. Par un refus intransigeant de l'apparence de réconciliation, l'art maintient cette utopie au sein de l'irréconcilié, conscience authentique d'une époque où la possibilité réelle de l'utopie — le fait que d'après le stade des forces productives, la terre pourrait être ici et maintenant le paradis — se conjuge au paroxysme avec la possibilité de la catastrophe totale.[13]


A segunda geração de modernistas terá sua produção menos marcada pelo adjetivo moderno: Vinícius de Moraes, Jorge de Lima, Augusto Frederico Schmidt, Murilo Mendes, Carlos Drummond de Andrade, Lucio Cardoso, Graciliano Ramos. Já a terceira geração de modernistas (45-78) quase abanou os conceitos de 22, para voltar-se a princípios simbolistas e parnasianos: o grande destaque é Clarice Lispector, entretanto também podemos citar: Ledo Ivo, Péricles Eugênio da Silva Ramos, Geir de Campos, Ferreira Gullar e Darcy Damasceno. Os anos 20 também tiveram como um aspecto do moderno o começo do entusiasmo cego – um otimismo cego[14] - com a indústria e o progresso, e que no caso de São Paulo significou políticas urbanas excludentes e que favoreceram o crescimento desordenado da cidade.
Já sob o Estado Novo moderno significou a implantação de indústrias de base (CSN, Companhia do vale do Rio Doce, FNM, etc e a Petrobras em 53 – em princípio com o nacional-desenvolvimentismo de cunho autoritário e centralizador. Em termos de manifestações culturais foram promovidas manifestações cívicas e “manipulações”, cerceamentos e perseguições. Procurou-se implantar uma política de consolidação da cultura nacional, sobretudo por meio do IPHAN. Moderno significou também uma ruptura com as instituições da República velha, reforma do Estado, foi criado o IBGE, o imposto de renda, entre outras visando a integrar e “desenvolver” o país. Moderno significava em resumo: industrialização e nacionalismo. Nesta mesma época foram colocadas em práticas agressivas políticas de colonização e assimilação de culturas estrangeiras. Com JK moderno continuou a significar industrialização, colonização, só que com a ênfase da implantação de indústria automobilística. Foi construída a “capital” Brasília, e havia um clima de “futuro está chegando”, mesmo que este “desenvolvimento” fosse baseado em grande endividamento do país. Posteriormente com Goulart moderno passou a significar a uma grande efervescência social e a possibilidade de pelas “reformas de base”, concluir-se uma reforma democrático-liberal. Entretanto, essa possibilidade, que envolvia também a arte e a cultura (Teatro Oficina, CPC, Teatro de Arena etc) foi bruscamente interrompida por um moderno conservador, que conjugou de forma paradoxal uma abertura para o exterior, a repressão política, social – e uma ilusão de “milagre econômico”. Este período caracterizou-se por uma modernidade conservadora, que desmontou em grande parte os poucos equipamentos educacionais e críticos, e reprimiu todo tipo de atividade artística, intelectual e cultural autônoma e crítica. Neste período moderno passou a ser para grande parte dos brasileiros consumir e possuir. Foi também nestas épocas de generais em que a televisão Globo foi criada, como forma “cultural” para as Massas. Nos anos oitenta o moderno, em termos políticos também significou a campanha por “diretas já”, entretanto com a derrota do movimento e a posse de José Sarney, a fé no moderno e no progresso eminente parece ter começado esmorecer. A desilusão dos anos oitenta expressou-se em escritores como Caio Fernando Abreu, Márcia Denser, Hilda Hilst, Rumem Fonseca entre outros que mergulharam no pesadelo de acordar desiludido em um país em que ser moderno, significava agora, excluir e apartar definitivamente uma grande parcela da população.



[1] DUPAS, Gilberto. O mito do Progresso. SP: Editora Edusp, 2006. pp. 290
[2] É claro, que muito deles, principalmente Mario de Andrade, fez uma crítica desta postura em demasia otimista com relação à história. O mesmo pode ser dito de Tarsila que continuou a pensar suas concepções estéticas, e que por sinal descobriu o Brasil desde Paris.
[3] Sevcenko, Nicolau. Orfeu Extático na Metrópole: São Paulo sociedade e cultura nos frementes anos 20. São Paulo: Companhia das Letras:2003. 3ª Edição, pp.309
[4] Como diz Edward Said: “Todas as culturas estão mutuamente imbricadas; nenhuma é pura e única, todas são híbridas, heterogenias, extremamente diferenciada, sem qualquer monolitismo” (Cultura e Imperialismo, trad. Denise Bottman, São Paulo, Cia das letras, 1995, p. 28 Apud: PERRONE-MOISÉS, Leyla.
[5] Cabe lembrar não enquanto integrante do modernismo moderno o manifesto regionalista, que centrado na região nordeste pretende voltar-se para os aspectos regionais e populares da região.
[6] Mesmo em sua produção artística podemos identificar elementos muito fortes de nacionalismo e culto ao moderno: Annuncio de São Paulo: Antes da chegada/ Alfixam nos offices de bordo/ um convite impresso em inglez / Onde se contam maravilhas de minha cidade/ Sometimes called the Chicago of South América / Situada num planalto 2.700 pés acima do Mar. E distante 79 kilometros do porto de Santos/ Ella é uma gloria da América contemporânea / A sua sanidade è perfeita/ O clima brando/ E se tornou notável / Pela belleza fora do commum/ Da sua consctrução e da sua flora / a Secretaria da Agricultura fornece dados Para os negócios que ahi se queiram realizar. (Fac símile de Pau Brasil)
[7] Sua conferência “O Caminho percorrido” é de um stalinismo cortante, que louva o progressismo do nacional-desenvolvimentismo, mas ao mesmo tempo mantém semelhanças autoritárias com os modernistas direitistas.
[8] Talvez Paulo Prado tenha sido outro intelectual a perceber as contradições dos modernismos. Também Manuel Bandeira. Antonio Cândido escreveria posteriormente: “Recapitulando: na história brasileira deste século, têm sido ou podem ser considerados formas de nacionalismo ou ufanismo patrioteiro, o pessimismo realista, o arianista aristocrático, a reivindicação da mestiçagem, a xenofobia, a assimilação dos modelos europeus, a rejeição desses modelos, a valorização da cultura popular, o conservadorismo político, as posições de esquerda, a defesa do patrimônio econômico, a procura de originalidade etc. etc. Tais matizes se sucedem ou se combinam, de modo que por vezes é harmonioso, por vezes incoerente. E esta flutuação, esta variedade mostram que se trata de uma palavra arraigada na própria pulsação de nossa sociedade e da nossa vida cultural.” (Uma palavra instável in: Vários escritos, 4ª ed. SP/RJ: Duas Cidades/Ouro Azul, 1995, p. 278. Sobre isso penso ser muito importante a contribuição de Benedict Anderson em Comunidades Imaginárias. SP: Cia das Letras, 2008.
[9] Mariátegui dizia: “A nação ela mesma é uma abstração, uma alegoria, um mito que não corresponde a uma realidade constante e precisa.” MARIATÉGUI, J. C. Siete ensayos de interpretación de la realidad peruana, Caracas: Biblioteca Ayacucho, 1979, p. 235 Apud: PERRONE-MOISÉS.
[10] “ Sabe-se que o modernismo brasileiro foi um movimento fortemente marcado pelo nacionalismo. Mas de que nacionalismo se tratava? Havia, então, vários nacionalismos: um nacionalismo “ufanista”, de um patriotismo desprovido de espírito crítico; um nacionalismo pragmático de inspiração fascista; um nacionalismo pessimista, baseado nas noções de atraso e de raças “inferiores”. M. A. recusou o “brasileirismo de estandarte”. “Meu espírito é por demais livre para acreditar no estandarte” (carta a Carlos Drumond de Andrade, 28/2/28) idem, p. 201
[11] “Assim, todas as vezes que o nacionalismo cultural e artístico, como uma fênix, renasce com impertinência e demagogia, é altamente recomendável reler Mario de Andrade e repensar, com ele, a “entidade nacional brasileira” Idem, p. 209
[12] Como dizia Borges: "O nacionalismo só permite afirmações e, toda doutrina que descarte a dúvida, a negação, é uma forma de fanatismo e estupidez." “Nadie es patria. Todos lo somos”
[13] ADORNO, T. Théorie esthétique, Paris: Klincksieck, 2001, p. 57-58.
[14] Esse otimismo cego no progresso e advento do chamado primeiro mundo parece ter se confrontado com a realidade somente com o final dos anos 70 (crise do petróleo) e a hiperinflação dos anos 80.

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