quarta-feira, 22 de outubro de 2008

uma vida - noutra



uma vida - noutra
Nilson Oliveira


Outrem é quem fabrica os corpos com os elementos,
os objetos com os corpos,
assim como fabrica seu próprio semblante
com os mundos que exprime. Michel Tournier



das bandas do brilhar

Encerrado no espaço que sempre lhe foi íntimo, o homem espera. Não re-age, não manifesta. Espera. Tão somente espera. Essa é sua vida, a isso está vinculado. Mas o que espera não lhe pertence. É uma espera branca. E essa espera lhe confere a imagem de uma vida neutra, fora do lugar, movida pelos laços de um poder que mais e mais se efetua, pois enquanto espera ele pensa. Mas esses pensamentos não são de nenhum modo uma formalidade ou tampouco vêm de um provável. Não são simples. Eles desenham por si o seu próprio sentido, se fazem para agilizar um movimento no próprio pensamento. Um movimento por fora do pensado, na direção de um pensamento outro, que age mesmo quando não parece agindo, como um nômade que viaja sem sair do lugar, fora da fronteira, viajando no possível de lugares outros, no intenso das suas sensações.
Esses pensamentos são, sobremaneira, a garantia de um movimento, não do mesmo, mas ao além do movimento, num devir-pensamento que abre o mundo num horizonte mais vasto, assegurando possibilidades infinitas de criação, tal como acontece na relação Arte – Obra – Artista; pois a arte só é real na obra, e o artista só se afirma no aberto que o pensamento da obra lhe oferece, ou seja, no que dela pode fazer engendrar, na direção do que a arte lhe determina. Um caminho neutro, semelhante as imagens de Oswaldo Goeldi, imagens sem começo nem fim, martelado pelo meio, por entre um negro cintilante, revelador, que faz gerar o inquieto de muitos rostos, movimentos, em figuras que expressam a intensidade da obra, mas sobretudo a proliferação do ato criativo, de multiplicidades. Portanto pensar, segundo a lógica do artista, equivale essencialmente a criar, pôr-se em movimento, mergulhar na enseada do impensado.

uma imagem além da imagem
Seus dias passam-se num ritual marcado: acordar, levantar, andar, pensar, ler, escrever, acolhido em um tempo que não passa: escrever é entregar-se ao fascínio da ausência de tempo, pois na escrita as horas são as horas de um tempo outro, não linear, fora do relógio, dentro da ausência, mas na ausência de um tempo puramente afirmativo, o tempo da narrativa, que concede a escrita o Sim que afirma a sua permanência, o seu movimento, um movimento que viaja pelas margens e mergulhar no infinito do impensado. Navegando por todos os lugares, fora das grades, dos muros, nas ondas do devir, que faz da escrita um instrumento vibrátil, no qual a vida é sempre outra, a vida escrita, uma vida além da imagem, que é por si uma eterna invenção.
É dessa experiência que arrancamos Maurice Blanchot, de uma imagem além da imagem, do pensamento do impensado na escrita.
Blanchot atravessou a sombra do último século como uma das figuras mais instigantes e influentes da literatura. Pensou com Nietzsche, com Bataille, e em com eles proclamou toda a diferença do dizer e do pensar, foi o dito sussurrado do exterior da voz, em palavras, pele, superfícies.
Dessa maneira, a relação de Blanchot com o pensamento indica uma possibilidade de novos caminhos, provocando novas questões em torno do pensamento e do fazer literário, pois como uma Máquina de Guerra sua escrita consiste em criar aberturas dentro e fora do espaço literário.
Blanchot viveu parte de sua vida debruçado no arquipélago da escrita; ora lendo, ora escrevendo, ora submerso no intenso do pensamento, tendo poucas vezes, como em 68, rompido o limite dessa constelação. E assim por completo se apagou. Mas seu silêncio, mesmo quando não mais pronuncia, ainda reverbera. Sua voz ecoa com a totalidade de um calar verdadeiro. A Sua escrita vaza pelas fissuras da atualidade, deixando o aberto de uma chama que não se rompe, é como um ruído branco, desenhado na aurora de um pensamento ainda porvir.

os laços do pensamento
O pensamento não tem lugar, ele deriva de todas as paragens, nasce das dobras de qualquer circunstância, da invenção de um conceito ou do exercício do próprio pensamento. Pensar significa dar funcionamento às coisas, deslocá-las ou atravessá-las com significados outros, pensamentos outros, ou seja, a possibilidade de pensar o impossível, de pensar o impensável: “o plano de imanência é ao mesmo tempo o que dever ser pensado e o que não pode ser pensado. Ele seria o não-pensado no pensamento” [
[1]]. Com efeito percebemos que no pensamento-outro se prolifera mais do que a agregação das diferenças, a duplicidade dos entendimentos, ou melhor um pensamento ainda porvir, exterior ao próprio pensamento, pois nessa atmosfera, é preciso passar para “fora de si”, se envolver e se recolher na fascinante interioridade de um pensamento que é legitimamente Ser e Palavra [[2]]. Mergulhar na superfície de um pensamento legitimamente Ser e Palavra significa liberar-se das reminiscências, quer dizer do monolítico e da tensão que ela representa, pois nesse pensamento, Ser e Palavra, o mundo cala-se, e não são, por fim, os seres, suas preocupações, seus desígnios, suas atividades, que falam, quem fala é uma linguagem outra, neutra: uma linguagem crua, nervosa, sem precedentes. Essa linguagem tudo ronda e tudo atravessa, sua força fratura o muro do significante e alcança o outro lado do pensamento, nele a noite parece outra. Nessa esfera pensar é um ato de vitalidade, é essencialmente afirmativo, é uma forma de ver a vida e o que passa através dela, é um verdadeiro caso de possível, de interpretação, pois interpretar equivale a criar, a maneira do jazz, interpretar interpretações, e com isso, gerar uma experiência tecida por uma fazer próprio, com o timbre da sua voz, singular. Portanto, pensar é, sobremaneira, um ato de interpretação, logo, de criação. Pensar é dar velocidade ao pensamento pensando as coisas que nos afetam, seja em matéria de literatura ou do que for. Assim encontramos Maurice Blanchot, como uma Maquina de Possível, escrevendo, interpretando, pensando, gerando novas questões, debruçado na paisagem de uma geografia outra, selvagem, intensa. Mantendo-se sempre adiante, criando, cavando atalhos, sobrevivendo as suas exigências, aceitando a viagem, sendo fiel ao seu movimento, mergulhando no infinito das suas dobras.

o rumor da escrita
Em redor de Blanchot, no espaço da sua escrita, erigiu-se um ativo ciclo de pensadores (Foucault, Deleuze, Derrida), que através dos seus escritos interpretaram questões cruciais no horizonte da literatura, do pensamento, da intensidade. Sempre reconhecendo, em Blanchot, um lastro de influência, uma presença ativa, como tão bem nos disse Deleuze, sobre a relação Blanchot - Foucault: Foucault sempre reconheceu uma dívida em relação a Blanchot. Ela talvez se divida em três pontos: “Falar não é ver...”, diferença que faz com que se dizendo o que não se pode ver, leve-se a linguagem a seu extremo limite, elevando-a à potência do indizível. A seguir, a superioridade da terceira pessoa, o “ele” ou o neutro, o “se” , em relação às duas primeiras, a recusa de toda a personalogia lingüística. Por fim, o tema do Fora: a relação, que é tambem “não relação”, com um Fora mais longínquo que todo o mundo exterior, e por isso mesmo próximo de todo mundo interior [
[3]]. Influencia determinante, mas, a um só tempo, a partir de algumas obras de Foucault, As Palavras e as Coisas e Raymond Russel, vemos essas influências desdobrarem-se para zonas de movimentação e atravessarem níveis de singularidades, conferindo ao pensamento de Foucault uma certa autonomia em relação ao rastro de Blanchot, mas aí, e por isso mesmo, essa ligação torna-se mais efetiva, mais intensa no sentido das forças e na proliferação dos conceitos, os quais, Foucault e Blanchot, se comunicam mais e mais pelo afeto ao ato criativo.

a experiência da morte
A escrita de Blanchot é a evidência da supressão dos limites entre a escrita e o pensamento. É o exercício de um jogo em que essas matérias se atravessam e a todo o momento estão por reinventar-se, sendo sempre outras, navegando na direção do improvável, do impensado, do possível de todas as coisas engendradas no limiar da escrita. Com efeito, pensando Rilke, às voltas do Espaço Literário, Blanchot faz surgir um cem número de questões que cintilam entre escrita, pensamento, vida e morte, navegando em águas não isentas de riscos. Investimento traçado por uma grafia vigorosa, destilada nas linhas que irradiam nos arrastando para as bandas de um lugar soturno, um espaço onde a imagem é sempre a mesma: a morte. Blanchot experimenta, na escrita, uma estranha aproximação com a morte, mas a isso não como elogio mórbido e sim como devir-morte que pensa a morte como uma presença que temos que aprender, reconhecer, encontrar, sem sustos nem entusiasmos. Esse Reconhecer implica na aceitação de um outro caminho, uma trilha em que quanto mais se vai, mais, nas suas distâncias, se desaparece. Esse desaparecer, por fim, resulta no apagamento daquele que escreve. Reconhecer a morte para engendrar o desaparecimento do autor, mas a um só tempo gerar a afirmação da escrita. Uma escrita outra, total, cingida por abismos e possibilidades. Nessa esfera vida e morte se atravessam em uma superfície que faz de Blanchot ‘a testemunha integral’ de uma experiência da escrita, da intensidade; no qual a consciência da morte faz do corpo uma engrenagem livre, entregue, à medida da sua própria duração, como Máquina de Sensações, escrita-corpo, no qual a morte desenha os contornos da sua permanência: a morte é o lado da vida que não está voltado para nós nem é iluminado por nós; cumpre tentar realizar a maior consciência possível de nossa existência que reside nos dois reinos ilimitados e se alimenta inesgotavelmente dos dois [
[4]]. Nesse trecho de Rilke, dos Cadernos de Malte, Blanchot nos evidencia o quanto a morte está presente na vida, e vice-versa, mas, sobretudo, o quanto, além dos nossos domínios, a morte funciona como algo que não nos cabe recusar, tampouco julgar, mas tão somente aceitar e ter com ela um convívio pacífico, vital, como a passagem ou etapa de algo que é nosso, mas nos escapa o domínio. Portanto, a morte seria, nesse sentido, o equivalente do que foi designado como intencionalidade. Pela morte, “nos olhamos para fora com um grande olhar animal”. Pela morte, os olhos mudam de direção e essa viagem é o outro lado, e o outro lado é o fato de não viver desviando, mas direcionado, introduzindo agora na intimidade da conversão, não privado de consciência, mas pela consciência, estabelecido fora dela, lançado no êxtase do movimento [[5]]. Movimento que puro desequilíbrio, mas movimento inteiramente ligado à vida, a vida que passa nas bandas do outro lado, onde o controle nos escapa, mas nos assegura a noite, a dispersão de um profundo sono.
Numa leitura atenta das obras de Blanchot o vemos navegando no horizonte de numerosos e diferentes autores, Lautréamont, Joyce, Broch e alguns outros, mas o que ele nos diz, tanto em seus ensaios como em suas obras de ficção, atravessa zonas de atração e risco, pois Escrever é atravessar um espaço onde limite é a todo o momento superado, mas a um só tempo, pelas voltas da própria escrita, restabelecido, num ciclo infindável onde impera o eterno recomeço. O que o escritor inicia num livro, destrói no outro, e assim vai, sendo afetado, pouco a pouco, pela obsessão da obra. Pois o escritor é aquele que persiste em sua obsessão, aquele que só reconhece uma única arte, navegar no coração da obra, jogar o jogo da criação, revelando nele, as infinitas possibilidades da escrita, da repetição, de um pensamento que é sempre múltiplo ou melhor, um intenso jogo de pensar.
A escrita, para Blanchot, é na verdade o eco de uma narrativa que, na velocidade de um eterno retorno, atravessa singularidades, superfícies outras. Essa escrita nada tem a ver com função de linguagem, ela é justamente o desmonte da linguagem, pois ela explora da linguagem não suas riquezas infinitas, mas seus limites, seus pontos de fuga, suas dobras, em um movimento que força a escrita a alcançar o que está além das suas possibilidades, além das suas funções, na outra margem, na trilha do possível, num horizonte que se abre, num eterno re-fazer-se: outro, impensado, limiar.

uma máquina desejosa
Com Blanchot, no Espaço Literário, tudo se experimenta. O pensamento se edifica pela alegria e por um querer outro, nutrido de possibilidades, fértil, intenso, re-hidratado, corpo que é só sangue e pele, corpo recurvado em uma experiência que por si já é outra.
É à força intensa do escrever, o que Blanchot tão bem formulou como Apreensão Persecutória, força que persegue e faz perseguir, mão que escreve e age, fazendo a escrita proliferar na velocidade do devir, afetando inteiramente aquele que escreve, pois: o homem que segura a caneta, mas não domina seu movimento, sua mão parece enferma, escreve ao não mais poder, move-se numa velocidade fora da medida. Experiência decisiva no qual, quando remetido, tal como foi Nerval ou Höderlin, o escritor não sai ileso, sofre na pele, é arrastado por seus efeitos, atravessa uma fronteira que não reconhece volta. Mas o que deixam é certamente extraordinário, seja Hypérion ou Aurélia, obras que fazem da Literatura um lugar de força, obras que, tão logo entre, o leitor saberá reconhecer, são como uma pedra que recusa o envelhecimento, feridas mal fechadas no coração do tempo.
Com Blanchot entendemos que a literatura é tambem uma máquina em que muitas forças se atravessam, tecendo e fabricando imagens por onde, como uma janela aberta ao infinito a escrita alcança o inominável das formas, multiplica-se na superfície do ato criativo, estando sempre adiante. Agindo por dentro e por fora do tempo, mas nunca a serviço dos dias; ela subverte os dias, tal como fez Proust, fabricando sua própria duração. Nessa esfera, portanto, com Proust, pensar o tempo equivale, pensar o tempo como a virada do próprio tempo, pois O Tempo Redescoberto é sempre o tempo outro: o tempo que não está fora do tempo, mas que se experimenta como exterior, sob a forma de um espaço, espaço imaginário onde a arte encontra e dispõe os seus recursos [
[6]].
È difícil pensar Blanchot sem pensar na escrita, sobretudo nos pensamentos que se evadem e a um só tempo nos atravessam durante a experiência de ler, sim, pois ler, como Blanchot, é uma experiência de sopros, de velocidades, pois a voz que ecoa dentro do texto, também devora o leitor. Consome-o aos pouco, com o intenso da escrita, do estilo, com a força do seu pensamento.

o horizonte do impensado
A voz de Blanchot atravessa no redemoinho doutras vozes, mas, todavia, não perde seu timbre, sua singularidade, diz com os outros, fazendo ressoar o seu próprio dito, deixando vazar a ponta de um algo mais. Algo na direção de uma agilidade em interpretar, em criar, em dançar, em jogar o jogo do pensamento e nele mergulhar para se lançar adiante, em uma latitude outra. Blanchot segue por entre um labirinto de autores e obras e, como Teseu, atravessa sem receios, mas sabe, como ninguém, dos riscos em se perder. Por isso escapa a tentação tagarela de comentar, de repetir os roteiros do dito, então segue no horizonte do impensado, num pensamento que pensa a literatura por fora dos acessórios usuais da crítica literária. Que Pensa a literatura a partir do inessencial, como dobra de um movimento que se engendra fora do centro da esfera, nos fluxos que compõem as zonas variáveis da escrita literária, a partir não mais do mesmo, mas, sobretudo, da diferença, no projeto de um fazer outro, seja para encontrar forças desconhecidas ou gerar outras marcas, novas lembranças, marteladas com a força de um artesão, desenhadas pela Escrita, pelo Estilo, pelo Pensamento.

da amizade
Penso sobretudo no entre Deleuze e Foucault, penso nessa não presença –Blanchot – nessa força tão marcada pela força de um e de outro – Deleuze - Foucault. Penso nesse nome que, pela miríade do seu pensamento, teceu formas tão belas do escrever e do pensar, ora com um ora com outro, mas ao mesmo tempo só, abolido das marcas, do peso da memória, navegando no inominável da letra e do pensamento; aberto às exigências do estilo, entregue ao desdomínio do gênero, situado entre o distante e o próximo de nós, como Moby Dick e Ahab, dos quais, sobre essa inevitável proximidade, nos diz Blanchot: Entre Ahab e a Baleia desenrola-se um drama que se pode dizer metafísico utilizado essa palavra de modo vago, a mesma luta que se desenrola entre as Serias e Ulisses. Cada uma destas partes quer ser tudo, que ser o mundo absoluto, o que torna impossível a sua coexistência com o outro mundo absoluto, e cada uma não tem porém maior desejo do que essa coexistência e este encontro[
[7]]. É a intensidade do encontrar, mas um encontro que, nas suas dobras, traz toda a tensão e toda a diferença, que liga uma figura a outra, formando um verdadeiro bloco de sensações, uma pluralidade de forças, tal como Deleuze – Foucault – Blanchot; uma zona de atração e risco, contudo atravessada por uma intensa amizade. Amizade sem parcialidade, sem indulgências, livre da peste do pensamento único, das tensões do jogo binário, amor e ódio. Amizade à diferença, ao estranho, ao outro do pensamento. Amizade à alteridade e ao além da alteridade. Amizade à vida e à multiplicidade das formas, mar, aromas, terra. Amizade à escrita, ao pensamento, a leitura. Amizade que pensa o livro como um espaço de trocas, de alegria, de estar juntos, navegando como o outro, na intensidade da sua companhia, colhendo indícios, pistas, diferenças, degustando o sabor do seu estilo, nadando nas correntes do seu pensamento, exercitando o fôlego para o seu próprio mergulho. Assim fez Foucault com Blanchot e vice-versa, e assim fez Deleuze com Foucault, numa relação entrelaçada por referências, encontros, leituras, pela troca generosa entre um saber e outro, que encontra na afirmação de Edson Passetti o acolhimento possível para coexistir: A amizade é uma relação entre guerreiros numa vida feita de combates [[8]]; e nessa ordem para as bandas de um pouco mais: A amizade supõe um devir-criança na longevidade da relação entre amigos, com efeito encontramos o devir-criança na longevidade da amizade ente Foucault e Blanchot, amizade calçada pela geografia das distâncias, dividida pela linha negra da escrita, que tanto aproxima como distingue um do outro, que traz, lado a lado, um e outro, cavando em partes diferentes no desejo intenso de encontrar. Encontro que Blanchot muito nos revela em seu Foucault como Imagino, trazendo em suas linhas esquivas, indiretas, incessantes, um livro maior que uma simples homenagem, pois no livro tudo passa alhures dado à intensidade da investida de Blanchot. Pois Blanchot encontra Foucault por uma “razão menor”; menor no sentido de um afeto que escapa aos radares, aos holofotes, às razões da crítica, ou da tentação tagarela de comentar. As razões de Blanchot passam por fora a tudo isso, mas estão tão bem delineadas logo na apresentação do livro: Nunca o encontrei, exceto uma vez, no pátio da Sorbonne durante os acontecimentos de Maio de 68, talvez em junho ou julho (mas dizem que ele não estava lá), e dirigi-lhe então algumas palavras, ignorando ele quem lhe estava a falar (...). É verdade que durante esses acontecimentos extraordinários, eu dizia muitas vezes: Mas por que é que Foucault aqui não está [[9]]. As palavras de Blanchot nos trazem a delicadeza e a criatividade de uma amizade que se edifica pelas frestas de uma intensidade, de uma amizade outra, tangenciada por uma vontade de afeto.

Outubro / 2007

Nilson Oliveira é editor da revista Polichinello

[1] Daniel Lins, Nietzsche Deleuze, Intensidade e Paixão: Esquecer Não é Crime. Relume Dumara, 2007
[2] Michel Foucault, O Pensamento Exterior. Forense Universitária, 2001
[3] Gilles Deleuze, Conversações. 34, 1998
[4] Maurice Blanchot, O Espaço Literário. Rocco, 201
[5] — O Espaço Literário. Rocco, 201
[6] Maurice Blanchot, O Livro Por Vir. Editora Relógio D’Água, 1984
[7] Moby Dick, Herman Melville. Francisco Alves, 1989
[8] Edson Passetti, Ética dos Amigos. Editora Imaginário, 2003
[9] Maurice Blanchot, Foucault Como Imagino. Editora Relógio D’Água, 1997

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