quinta-feira, 21 de maio de 2009

Ricardo Flores Magón e o comunitarismo camponês





Por Augusto Patrini Menna Barreto Gomes[1]



O México atravessou as primeiras décadas de seu período independente mergulhado em grande instabilidade política marcada pelo confronto entre liberais e conservadores. As leis da reforma liberal aprovadas a partir de 1856, confirmadas em 1873, possibilitaram intensificar transformações econômicas e sociais voltadas à modernização do México. Ao contrário do que pretendiam inicialmente, porém, contribuíram para desestruturar as comunidades rurais e tenderam a beneficiar os grandes fazendeiros, sobretudo a partir da ascensão de Porfírio Díaz ao poder em 1876.



Nesta época boa parte da população mexicana vivia no campo e ainda em grande parte unida às estruturas comunitárias indígenas, ameaçadas pela reforma. O Porfiriato (1876-1911) foi marcado por uma intensa modernização em parte promovida por capitais estrangeiros. No plano político, pelo autoritarismo e o favorecimento das frações da elite ligadas ao governo. A usurpação de terras pertencentes a comunidades de camponeses levou muitos deles a migrar para as grandes cidades ou submeter-se a duras condições de trabalho nas fazendas. No começo do século XX, cresceram as divergências ao regime de Porfírio Díaz. As contradições no campo, o dissenso entre elites e a forte agitação política acabaram levando à queda de Díaz e ao multifacetado processo revolucionário mexicano (1910-1917).



Neste contexto é que se destacou a figura de Ricardo Flores Magón (1873 - 1922), que com seus partidários, organizou o Partido Liberal Mexicano (PLM) em 1906. Por meio de sua militância intelectual, política e jornalística, ele empenhou-se em influenciar os grupos e atores que atuariam durante o período revolucionário. Magón também organizou grupos revolucionários que lutaram no norte do México, e que chegaram a ocupar a Baixa Califórnia. Exilado nos EUA entrou em contato com anarquistas russo-americanos Emma Goldman e Alexandre Berkman e trabalhou na difundir de livros e idéias anarquistas no México.



De forma original, Magón refletiu sobre projetos e atuações que combinavam as tradições necessidades práticas de camponeses mexicanos da época com teorias radicais européias, sobretudo anarquistas. Magón foi, especialmente importante ao formular e propor soluções para resolver o problema das comunidades camponesas. Para ele a questão da terra era uma das chaves do problema social mexicano. Pode-se, por exemplo, afirmar que estas formulações repercutiram, notavelmente, entre os revoltosos do “Ejército Libertador del Sur” liderados por Emiliano Zapata (1879-1919), que então lutavam no sul do México pela posse comunitária da terra. Sua atuação, de diversas formas, modificou a realidade mexicana. Podemos encontrar traços de Magón no famoso “Plan de Ayala” de 1911, no lema dos Zapatistas “Tierra y Liberdad” (formulado originalmente por Magón) e na constituição mexicana de 1917, que garantia a forma comunitária da terra aos camponeses.



De liberal a libertário



A trajetória intelectual de Flores Magón é bastante interessante, pois ele empreende uma original transformação política, motivado, talvez, pelo contato com a realidade mexicana, pela leitura de escritos anarquistas europeus e por contatos interpessoais. Ao fundar em 1906 o PLM, Flores Magón não tinha como objetivo – pelo menos declarado – uma revolução social, mas o “resgate” dos princípios liberais da Constituição Mexicana de 1856, que segundo eles tinha sido violada por Porfírio Díaz. É por isso, que seu jornal se chamará “Regeneración” (1900). Contudo, ao meio da luta política e da intensa repressão política, Magón mudou lentamente suas concepções políticas, caminhando para um ideal anarquista. A historiografia ainda apresenta muitas discrepâncias e divergências, e não há acordo de como, quando e porquê essa transformação aconteceu. Alguns autores defendem que já em 1906 Magón já possuía secretos ideais anarquistas, porém a grande maioria pensa que o anarquismo de Magón se consolidaria posteriormente ao meio da luta revolucionária. No Programa do Partido Liberal de 1906 pode-se observar uma posição revolucionária, porém ainda estritamente radical-liberal. Nesta época o PLM defende a defende a devolução das terras camponesas na forma da pequena propriedade. O programa defende também um retorno à constituição liberal, a democracia, um anticlericalismo e uma revolução política contra o regime de Díaz. Em 1911, no entanto, no Manifesto do Partido Liberal já se pode perceber claras idéias anarquistas, e uma defesa importante da revolução social e a posse comunitária da terra.



Há também uma viva polêmica com relação à identificação das influências teóricas européias de Ricardo Flores Magón e dos militantes do PLM: muitos autores identificam seus textos como uma extensão/ repetição de suas influências - autores anarquistas (Kropotkin, Malatesta, Elisée Reclus e Proudhon). Pode-se encontrar alguma influência das idéias de Kropotkin em “A Conquista do Pão” sobre a questão agrária, e de Malatesta em sua definição de partido revolucionário em “Escritos Revolucionários”.


Penso, porém, assim como o historiador mexicano Arnaldo Córdova[2], que sua transformação política foi motivada, sobretudo pelo contato com a realidade mexicana e com a intensa repressão política exercida pelo regime porfirista. Para este historiador Ricardo Flores Magón foi um precursor do reformismo dos revolucionários mexicanos. Já para o historiador francês François-Xavier Guerra[3], Magón será influenciado por escritos anarquistas europeus. Para este, Flores Magón representará a união interessante de lógicas diferentes - a do anarco-comunismo e a da tradição liberal de luta contra a opressão a incorporada a um fundo muito mais antigo, o da revolta contra o ‘mau governo’ que violou direitos. Arnaldo Córdova nos lembra, todavia, que Magón foi o revolucionário mexicano da época que melhor representou os interesses populares, foi o único que chegou a defender uma sociedade sem classes. Na questão agrária penso que foi de extrema importância a observação da realidade camponesa do México, que trazia em sua tradição, pré-colombiana (calpul) e colonial (ejidos) a forma de propriedade comunitária e autogestionária, que apesar de duramente atacada pelo “modernização” ainda resistia como forma tradicional no México da época.








[1] Augusto Patrini é bracharel em história (USP), Jornalista (UTP), Tradutor (Université de Caen)



[2] Córdova, Arnaldo La Ideologia de la Revolución Mexicana. La formación Del nuevo régimen. México: Ediciones Era, 1973



[3] Guerra, François-Xavier. México: Del Antiguo Régimen a la Revolución, T. II. México: FCE, 1988

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